O
que é isto que parece pairar sobre mim, esta névoa que não me abandona nunca;
procuro sem parar um raio de sol que penetre por esta neblina e quebre como que
por magia este feitiço macabro que me faz sentir assim.
O
que é isto que me atinge bem no fundo, de onde veio esta seta repleta de angústia
e sensação de abandono, quem a disparou, quem me atingiu!? Sinto na minha boca
o seu âmago que não se dissipou com o vento, desce pela minha garganta como um
pó, e vai cortando até ao meu coração onde se alojou.
Está
a escavar um buraco tão fundo que já faz eco se se gritar lá para dentro. É um
bicho inteligente, pois faz-me sofrer mas não deixa que se veja por fora. À medida
que me consome as minhas forças esgotam-se, já não consigo lutar contra ele,
falta-me a energia.
Á
noite penetra-me ainda mais, o silêncio parece alimentá-lo, incentivá-lo.
Ergue-me da cama, cola-me ao tecto vezes sem conta, rasga-me a roupa, solta-me
o cabelo, esfola-me a pele e perfura-a só com um breve suspiro. Eu flutuo no ar
sem saber como, os meus olhos abrem-se, enchem-se de sangue, gotas saem pela
minha boca e ele sorve-as como um vampiro que não me larga, que me quer para
sua noiva.
Eu
não o vejo, não vejo o seu âmago que se apoderou de mim; mas ele é omnipresente,
está em todos os gestos, passos que dou, naquilo que digo e para onde olho!
Parece querer brotar de mim, mas ainda não é tempo; é um bicho sórdido e
mordaz, comer-me-á até as vísceras. Nada irá restar de mim só o que os reais
vêem porque esta realidade que me atingiu é fictícia para os outros, o que eles
vêem é a crosta, a carapaça...que será a última coisa que ele atacará.
É
meticuloso, calculista, organizado e não deixa nada ao acaso, não me deixa
desabafar, fala por mim quando eu quero revelar a verdade, é o meu ventríloquo;
por isso escrevo rápido torcendo para que o sono que o acalmou o deixe ocupado
por algum tempo.
Onde
está a luz? Onde está o Paraíso prometido, de quem são as vozes que ouço, que
me dizem elas? Vem cá...Vou aonde se nem sei onde estou. Que lugar é este, que
significa esta escuridão, que me proíbe o pensamento e dá largas aos meus medos
e aos meus receios. É isto o Céu, o Inferno, o Purgatório?! O que me chama, o
quê; aquela voz, eu conheço aquela voz, volta, vem cá, porque foges de mim,
porque me mandas embora...não é lugar para mim...então onde pertenço eu? O que
é isto que me puxa para baixo, para si, a reclamar comigo como se eu tivesse
abandonado a base. Que vale é este onde me encontro, que luz aquela lá no alto
que fere a minha vista só de olhar, porque não me larga este bicho, o que me
consome, que tenho eu de tão apelativo.
Quero
que me deixes! Larga-me! Deixa-me subir àquele monte, deixa-me alcançar aquela
luz, é neve! Parece neve, deixa que eu mate a minha sede com a neve, talvez a
magia do seu branco puro te mate! Agora já me persegues a cada instante…
Qual
morte anunciada...
Qual
caveira vestida de negro...
Tu
és a escuridão perpétua.
Deste
um murro ao sol, enviaste-o para outra galáxia e vieste para ficar.
Dalila Garrido - 1994 - um dos meus primeiros textos
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